Etapas para a Construção do Estado Brasileiro
A Permanência da Estrutura Colonial
Amazonino de Andrada
Tomé de Souza (1503-1579) desembarca na Bahia em 29 de março de 1549, com um ouvidor-mor, encarregado da justiça, um provedor-mor, responsável pelas finanças, o capitão-mor da costa, que chefiaria a milícia defensora da Colônia contra interesses não portugueses, e seis jesuítas sob a orientação de Manuel da Nóbrega. Trouxe também em torno de mil colonos.
Esta equipe mostra claramente como Portugal estava organizando o Estado Colonial Brasileiro. Diretamente sob a ação estatal, hoje denominaríamos a administração direta, além da Chefia do Executivo – o Governador Geral, com três órgãos de primeira linha que se encarregavam das finanças, da justiça/repressão e da defesa.
Também, no que classificaríamos de parceria público-privada, a educação e a cultura, entregues aos jesuítas. Tal foi, e por largos séculos continuou gerenciando o Brasil, nossa primeira Estrutura de Estado.
As críticas que se fariam nos séculos XVI, XVII, XVIII não são, obviamente, as que se apresentariam desde a independência de 1822, nem, e muito menos ainda, após as grandes revoluções ocorridas nas sociedades humanas com a industrialização, a emergência da energia termonuclear e a informática.
Estas revoluções dividiram, com novos critérios, as nações. Se, à época dos descobrimentos do Brasil e dos Estados Unidos da América (EUA), as nações eram ou Impérios ou as Colônias politicamente dominadas, hoje temos outras e novas sujeições. Melhor classificaríamos os países, após estas revoluções, em Nações Soberanas e Nações Dependentes.
Vejamos então o que a permanência da Estrutura Colonial nos legou.
Um vício vindo com a Idade Moderna, o mesmo período dos “descobrimentos”, foi o empoderamento do comércio internacional e das cartas de crédito, formadoras das casas bancárias. Representou a restrição na análise das sociedades e/ou grupos de indivíduos às opções e atividades econômicas.
No entanto, muito antes das finanças, da economia, e por muitos mais longos tempos e territórios, eram as qualidades imateriais que dividiam as pessoas, quer pelos comportamentos religiosos, quer pelas não escritas convenções sobre a correção de conduta.
Cabe citar, pela pertinência e adequação da análise, o artigo do Gen. Ex R1 Maynard Marques de Santa Rosa, “Constituição Cidadã?”, de 2012, onde se lê:
“E a melhor didática para o ensino de ética é o exemplo, que começa na família e termina no governo; fazendo despertar a consciência de que não existe alternativa ao crescimento social fora do trabalho e do mérito”. Vem de Einstein a advertência de que “O único lugar aonde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário”.
Podemos entender que a vinculação direta ao Estado das finanças e da justiça/repressão e os aspectos imateriais a uma ordem religiosa já é um indício do que se desejava para o Estado Colonial Brasileiro.
Este Estado foi sendo aprofundado nas relações sociais, mas com características muito próprias, fruto dos desejos de povoamento – necessário para garantir o próprio Estado, e das necessidades de sobrevivência.
Em relação ao povoamento, ninguém melhor do que um testemunho da época, a carta de 9 de agosto de 1549 que Manuel da Nóbrega dirige ao Padre Mestre Simão: “nesta terra há um grande pecado, que é terem os homens quase todos suas negras por mancebas, e outras livres que pedem aos negros por mulheres, segundo o costume da terra, que é terem muitas mulheres. Todos se me escusam que não tem mulheres com que casem, e conheço eu que casariam se achassem com quem” (M. da Nóbrega, Cartas do Brasil 1549-1560, Academia Brasileira de Letras, Oficina Industrial Gráfica, RJ, 1931). Diferente de outras colônias, como os EUA, Angola, Grã-Colômbia e Argentina, o povoamento brasileiro de deu por mestiços: mamelucos, mulatos, cafuzos, que formam a quase totalidade de nosso povo.
Também pouco se deram análises às formas de sobrevivência, narradas no magnífico trabalho de Sheila de Castro Faria (S.C. Faria, A Colônia em Movimento – Fortuna e Família no Cotidiano Colonial, Nova Fronteira, 1998, 3ª impressão) e ao que também dispôs Capistrano de Abreu: “A invasão flamenga constitui mero episódio da ocupação da costa. Deixa-a na sombra a todos os respeitos o povoamento do sertão, iniciado em épocas diversas, de pontos apartados, até formar-se uma corrente interior, mais volumosa e mais fertilizante que o tênue fio litorâneo” (J. C. de Abreu, Capítulos de História Colonial 1599-1800, Livraria Briguet, RJ, 1954, 4ª edição).
Há certamente interesse em manter nossa história apegada ao litoral, aos ciclos econômicos, ignorando a sociedade que se formava pelo território que constituiria o Estado Nacional Brasileiro.
E isto se dá para que se nos imponham ideologias alienígenas, soluções nem sempre adequadas para as próprias sociedades de onde surgiram, cópias mal elaboradas de modelos estrangeiros, impedindo que o Estado Nacional Brasileiro seja, o que verdadeiramente é, um Estado Nacional específico para a sociedade brasileira.